Filantropia: sim ou não? Enfrentamos essa pergunta a partir de pontos de partida distintos. Estamos diante de um problema multifacetado. A questão foi tratada, ao longo do dia, a partir da ótica da Gestão do Ensino Católico na mesa de abertura pelos nossos Dirigentes. Em seguida, foi abordada a partir do campo político (na ótica do Governo e da Oposição); campo econômico, religioso/teológico (no resgate do conceito de Filantropia) e no campo jurídico.

A pergunta central do Fórum se transformou num tema gerador e possibilitou a discussão de questões fundamentais da nossa prática: Identidade da Educação Católica, políticas de Estado e políticas públicas de governo, educação e assistência social, imunidade e isenção, regulação e autonomia, noção de público.

Já no final da tarde do primeiro dia, depois dos três debates, uma questão parecia delineada: nossa motivação para atuar na educação é evangélica. Ela é o centro da nossa ação e de nossas opções. A partir dos debates foi ficando claro, também, que perdemos o protagonismo de uma pauta eminentemente da Igreja: FILANTROPIA. O tema central da nossa prática foi sendo reduzido às dimensões jurídicas, econômicas e políticas. Dimensões que são constitutivas da filantropia, mas não o seu núcleo central.

Como perdemos o protagonismo do tema? É preciso olhar um pouco pelo retrovisor da história para enfrentar inicialmente essa questão. Após a luta pela redemocratização do país (luta que a Igreja contribuiu), passamos pela luta pela ampliação das políticas públicas. Nas últimas duas décadas temos um crescimento desse itinerário como forma principal de atuação dos governos.

Parte das políticas públicas e da ação social da Igreja ocupam o mesmo campo.

Aqui temos uma rota de colisão de pautas, de protagonismo e de regulação. Os governos passaram a atuar e regular cada vez mais o campo de atuação central para nossa Identidade.

A atuação dos governos, centradas em políticas públicas possuem a seguinte dinâmica: para cada grande problema social é construído uma política pública, que se concretiza através de inúmeros programas, coordenados por secretarias e diretorias específicas.

As políticas públicas possuem uma dupla defasagem que dificultam nossa ação no campo da filantropia. A primeira defasem está relacionada a sua natureza. As políticas públicas são constituídas a partir de dois efeitos desejados: o resultado concreto da ação e os efeitos políticos decorrentes da ação. Como a ação política dos governos está cada vez mais marcada pela dinâmica eleitoral, existe uma supremacia dos efeitos simbólicos sob os efeitos concretos dessas políticas. Mais um motivo para regular e garantir visibilidade e protagonismo dessas ações por parte dos governos. Essa não é uma questão de um determinado governo ou esfera governamental. Encontraremos essa lógica presente na esfera federal, estadual e municipal. Na política, reduzida a sua dinâmica eleitoral, o mais importante é a visibilidade.

A segunda defasagem diz respeito ao aparato administrativo que envolve a concepção, execução e regulação das políticas. Não raras vezes nos encontramos “embolados” dentro dessa dinâmica. Encontramos uma supremacia

do discurso técnico, que é fundamental para regulação dos processos, mas possui sempre uma intencionalidade política que precisa ser, também, objeto de nossos debates, lutas e conquistas.

Temos, diante desse breve resgate, uma aparente contradição: governos preocupados com as políticas públicas foi o nosso desejo como sociedade civil. A atual rota de colisão, de certa forma, é fruto também do nosso trabalho, da cidadania que ensinamos em nossas escolas e universidades e do processo de democratização que vivemos nas últimas décadas.

Então o desafio é reencontrar nosso espaço, nossa ação própria e, também atuar para qualificação das políticas, ou seja, superação da supremacia de seu caráter simbólico como moeda eleitoral.

Em síntese: nós podemos continuar contribuindo com educação no Brasil – com sua universalização e ampliação da qualidade. Vamos continuar fazendo filantropia, por que faz parte da nossa razão de ser, mas precisando reencontrar o compasso e o protagonismo daquilo que nos é próprio, ou melhor, da nossa razão de ser.

Duas grandes questões foram se revelando ao longo dos nossos debates: a necessidade de reafirmar nossa Identidade e de pensar nossos métodos para reassumir o protagonismo da pauta da Filantropia. Retomar o protagonismo nesse campo não é um problema do governo ou oposição. É um problema nosso!

É preciso atuar como “gente grande” junto ao Executivo, Legislativo e Judiciário.

Deixar a posição reativa e ocupar espaço para propor, negociar e fazer avançar nosso entendimento de filantropia. O que precisamos fortalecer ou criar na ANEC para esse desafio?

Na Missa de abertura do Fórum, o Evangelho nos lembrava que a luz não deve ficar embaixo da mesa. Dom Hélder Câmara costumava dizer que “há gestos que valem um programa de vida: erguer um candeeiro, afastar as trevas, difundir a luz, mostrar o caminho”. Essa é nossa tarefa, nossa missão, nossa razão de ser!

 

Ricardo Spindola Mariz

Secretário da Câmara de Educação Básica da ANEC